*Excertos da Monografia (O Arquétipo da Sombra no Romance “O Retrato de Dorian Gray”) de Anyara Menezes Lasheras.
“Os símbolos são expressões pictóricas cativantes. São retratos indistintos, metafóricos e enigmáticos da realidade psíquica. O conteúdo, isto é, o significado dos símbolos, está longe de ser óbvio; em vez disso, é expresso em termos únicos e individuais, e ao mesmo tempo participam de imagens universais. Quando trabalhados (isto é, recebendo reflexão e articulação), podem ser reconhecidos como aspectos daquelas imagens que controlam, ordenam e dão significado a nossas vidas. Portanto, sua fonte pode ser buscada nos próprios arquétipos que, por meio dos símbolos, encontram uma expressão mais plena.” (SAMUELS, et alli, 1988, p.201). “A essa capacidade da psique de formar símbolos, isto é, de unir pares opostos no símbolo para uma síntese, Jung chama de sua função transcendente, que ele não entende como uma função básica (como o pensar ou o sentir, que são funções do consciente), mas como uma função complexa, composta de várias funções; e “transcendente” não significa para ele uma qualidade metafísica, mas o fato de que, por meio dessa função, se cria uma passagem de um lado para outro.” (JACOBI, 1986, p. 91-92).
“Por “função transcendente” não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer supra-sensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes.” (JUNG, 1984, p. 1). Isto porque raramente o consciente e o inconsciente estão de comum acordo pelo fato do inconsciente agir de modo compensatório em relação ao consciente, e vice-versa.
A função transcendente procura impedir que o Ego permaneça em uma posição unilateral. Unindo o inconsciente e o consciente e, deixando um símbolo no consciente, proporciona ao Ego a possibilidade de escolhas e assim este redireciona seu desenvolvimento rumo a Individuação, que é um processo autônomo e inato pelo qual o indivíduo busca se tornar “um”, “único”, realizando a si mesmo e o Si-mesmo, portanto não é um processo de puro egotismo egoísta, pois transcende o próprio ego.
2. A Sombra
“Jung definiu a Sombra de maneira mais simples, direta e clara, quando disse que esta é “aquilo que ele não queria ser” (JUNG, 1998, p. 128). Nesta simples afirmação estão incluídas as variadas e repetidas referências à sombra como o lado negativo da personalidade, a soma de todas as qualidades desagradáveis que o indivíduo quer esconder, o lado inferior, sem valor, primitivo da natureza do homem, a “outra pessoa” em um indivíduo, seu próprio lado obscuro. Jung era perfeitamente consciente da realidade do MAL na vida humana.” (SAMUELS, et alli, 1988, p. 204).
Para Jung (1986) a Sombra é um arquétipo que reside no Inconsciente Pessoal quando procede das experiências do Ego. Entendemos por Inconsciente Pessoal, a porção do inconsciente que carrega todos os conteúdos das vivências e pensamentos que o indivíduo experimentou, mas não registrou; conteúdos que acabou por reprimir e esquecer e, ainda, disposições instintivas que nunca chegaram a atingir o limiar da consciência. Portanto, encontra-se mais próxima da consciência e por isso seus conteúdos podem ser mais facilmente identificados e acessados do que os outros arquétipos, que residem no Inconsciente Coletivo (vide pág. 5). O arquétipo da Sombra também reside no Inconsciente Coletivo como o “eterno antagonista”. A Sombra é constituída de elementos com fortes bases morais, guardando em si os traços obscuros da personalidade com grandiosa carga emocional e possuindo certa autonomia.
“É a imagem de todos os aspectos da personalidade em que nos poderíamos transformar.” (HILLMAN, 1981, p.208). Neste sentido, revela um potencial de desenvolvimento (criativo ou destrutivo; normal ou patológico).
Quando se fala em aspectos sombrios, na Sombra, está se fazendo uma alusão a um dos referenciais para o Mal. A inconsciência desses aspectos causa dano ou prejuízo ao processo de Individuação, além de interferir na vida diária do indivíduo e do grupo. E, na medida em que vão se tornando conscientes, deve-se ter uma postura madura e responsável para que estes não se prestem aos interesses do Ego, passando-se a agredir os demais com as “próprias verdades”. Tornar-se consciente não implica em despejar a própria realidade nos outros. Está acima disso. Como já referido, a consciência propicia uma maior liberdade de escolha, até mesmo, do que fazer com os aspectos que se tornaram conscientes. (…).
5. Persona
Persona era a máscara usada no teatro grego. Definia os papéis característicos de personagens. “Como seu nome revela, é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é individual, quando na realidade não passa de um papel ou desempenho através do qual fala a psique coletiva.” (JUNG, 1985, p.134).
Jung segue dizendo que “ao analisarmos a persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é no fundo coletiva”. Ela seria um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que “alguém parece ser”, referindo-se aos dados reais do indivíduo, tais como nome, profissão, etc., dados que identificam o indivíduo, mas que não são a essência desse indivíduo.
A Persona indica como a pessoa deseja ser vista. O critério que será usado para realizarem-se as devidas escolhas dependerá da cultura na qual o indivíduo está inserido, e não se deve esquecer de que, dentro dessas mesmas culturas, ocorrerão mudanças e transformações dos valores socialmente aceitos.
Como foi mencionado acima, na Sombra oculta-se aquilo que se considera ou se aprende a considerar indesejável. Em contrapartida, a Persona, que se desenvolve através do que se aprende com os pais, familiares e do mundo social em que se está inserido como sendo comportamentos, atitudes e valores aceitáveis ou desejáveis, tende a apresentar essas características. Portanto, ela pode mostrar o que se quer revelar e esconder o que se quer ocultar. A Persona é um excelente escudo contra a Sombra; conseqüentemente, quanto mais se observa a Persona, mais próximo se estará da Sombra. A Persona seria o mediador entre o Ego e o mundo externo.
“A Persona ideal é flexível, permite adequação a diferentes situações sociais. Teoricamente, quanto mais “roupas” soubermos usar, maiores chances de adaptação teremos. Isso, porém, desde que, ao mesmo tempo, essas máscaras possam responder também às características de nossa personalidade que estão por trás do ego, na Sombra. A Persona pode contribuir tanto para o desempenho brilhante de uma pessoa carismática quanto para a performance de um charlatão.” (GRINBERG, 1997. p.144).
A Persona pode ser confrontada pela consciência e ser alterada, mas permanece Persona, ao contrário da Sombra que, quando confrontada, deixa parcialmente de ser Sombra e amplia a consciência através de novos conteúdos.
“O apego à persona é um dos grandes problemas do ego no desenvolvimento da personalidade. Este apego pode inverter a função normal da persona na qual ela é estruturante e evita a formar sombra. Ao se apegar ao que passou, o ego não desenvolve o novo que irá se expressar pela sombra.” (BYINGTON, 1988, p. 20).
*Anyara Menezes Lasheras é psicóloga clínica, Especialista em Psicologia Analítica Junguiana.
Leia a Monografia completa clicando AQUI
Esta matéria faz parte do blog Papeando Com a Psicologia.
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