Dona doida- Adélia Prado

Dona Doida



Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso


com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.



Quando se pôde abrir as janelas,



as poças tremiam com os últimos pingos.



Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,



decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.



Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,



trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.



A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, 



com sombrinha infantil e coxas à mostra. 



Meus filhos me repudiaram envergonhados,



meu marido ficou triste até a morte,



eu fiquei doida no encalço.



Só melhoro quando chove.


Dona doida- Adelia Prado

Escritora, fotógrafa e naturalista.

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