Os pastores da noite - Jorge Amado



Pastoreávamos a noite como se ela fosse um rebanho de moças e conduzíamos aos portos da aurora com nossos cajados de aguardente, nossos toscos bastões de gargalhadas. E, se não fôssemos nós, pontais ao crepúsculo, vagarosos caminhantes dos prados do luar, como iria a noite – suas estrelas acendidas, suas esgarçadas nuvens, seu manto de negrume – como iria ela, perdida e solitária, acertar os caminhos tortuosos dessa cidade de becos e ladeiras? Em cada ladeira um ebó, em cada esquina um mistério, em cada coração noturno um grito de súplica, uma pena de amor, gosto de fome nas bocas de silêncio, e Exu solto na perigosa hora das encruzilhadas. Em nosso apascentar sem limites, íamos recolhendo a sede e a fome, as súplicas e os soluços, o estrume das dores e os brotos da esperança, os ais de amor e as desgarradas palavras doloridas, e preparávamos um ramalhete cor de sangue para com ele enfeitar o manto da noite. 

Do livro OS PASTORES DA NOITE, de Jorge Amado.

Escritora, fotógrafa e naturalista.

Previous
Next Post »
0 Komentar

Gostou? Então deixe o seu comentário!